Como crescimento de casos de Covid e influenza ameaça sobrecarregar hospitais

Com o avanço da vacinação e estados registrando números menores de óbitos e infecções por Covid-19  em relação a março e abril de 2021 (quando os registros de morte chegavam próximos a 2 mil por dia), o mundo pensou que o momento estava propício para festas de fim de ano, viagens e relaxamento das medidas de segurança que garantem proteção contra o coronavírus.

No entanto, uma nova variante do SARS-CoV-2, a Ômicron, muito mais transmissível e cheia de mutações, apareceu e colocou à prova o que parecia o momento mais brando da pandemia.

No Brasil, cerca de 80% das amostras do coronavírus sequenciadas são da Ômicron. Mesmo em meio à falta de dados, os registros de Covid-19 não param de crescer no país e a média móvel (considerando os últimos 7 dias) de casos informados pelo Conass já é de mais de 52 mil por dia — mesmo patamar de julho de 2021.

Não bastasse a cepa nova, um surto de gripe tomou conta da população brasileira. Entre dezembro e janeiro, uma nova cepa da Influenza, a H3N2, causou surtos em diversos centros urbanos.

Em dezembro, 136 mil brasileiros foram internados com problemas respiratórios e as internações por influenza superaram as por Covid.

Relatos sobre coinfecção de influenza e Covid começaram a se multiplicar e até ganharam um apelido: “flurona” (não reconhecido pela comunidade científica).

Mesmo com menor número de óbitos registrados pela variante Ômicron do que em momentos anteriores da pandemia, muitas pessoas ainda estão precisando procurar hospitais — seja pela influenza ou pela Covid. Nesta cenário, fica a pergunta: há risco de sobrecarga hospitalar?

Sobrecarga hospitalar por Covid e influenza

Algumas capitais brasileiras já estão sofrendo com grandes filas e lotação de pacientes com síndrome gripal. A busca por testes de Covid chegou a dobrar na internet e diversas drogarias, hospitais e postos de saúde estão com falta de testes pelo excesso de demanda.

O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI), Estevão Urbano, falou em entrevista à CNN que há potencial para causar um grande estresse no sistema de saúde.

Contudo, ele destaca que “um fator protetor contra o excesso de internações, seja nas enfermarias ou nas UTIs, é que no caso, principalmente da Covid, a vacinação maciça tem feito com que a maioria das infecções seja atendida em pronto atendimento e liberados com alta”, disse.

Urbano alerta que existe a possibilidade de haver colapso do sistema de saude porque há “um percentual muito grande de pessoas adoentadas, mesmo que o número de casos severos seja pequeno, pode ser significativo o suficiente para causar no esgotamento também de leitos hospitalares.”

Em contrapartida, o infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Rodrigo Molina, falou à CNN que não acredita que haverá um “esgotamento Sistema de Saúde porque a coinfecção não tem impactado em grande aumento de internação — o que tem agora é um grande número de atendimentos ambulatoriais e de pronto atendimento”, afirma.

De acordo Molina, os serviços de saúde vão ter que se programar para ter esse aumento do número de atendimento e do número de coleta de exames.

“Esse é um problema porque a gente percebe falta de kits, de testes, então isso sim pode ser um problema na hora de definição de caso e de realizar diagnóstico”, explica.

O momento também deixou em alerta as autoridades sanitárias de vários estados brasileiros. Algumas capitais estão retomando as medidas mais severas para conter o avanço dos vírus.

De acordo com um levantamento feito pela Agência CNN, até a data desta publicação, oito estados anunciaram a volta de restrições por conta do avanço da Covid-19.

Valdes Roberto Bollela, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, disse à CNN que é difícil prever se o mundo atingirá o mesmo patamar de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

“Depende de que local você está. Na Alemanha, há um mês, os leitos estavam faltando. Nos Estados Unidos hoje, os leitos podem estar ocupados. No Brasil, exatamente a mesma coisa”, explica.

Roberto Bollela diz que na região Centro-oeste, em Goiás e Mato Grosso e na região do Nordeste, como em Fortaleza, a taxa de ocupação [das UTIs] está maior.

“Na região Sudeste nós ainda não chegamos a uma taxa de ocupação muito alta, mas ela está subindo rapidamente nessa última semana. Vamos ver como as coisas vão caminhar.”

É necessário achatar a curva de novas infecções

Todos os especialistas ouvidos pela reportagem disseram que é necessário frear a disseminação descontrolada dos vírus para ‘achatar a curva’ e evitar a progressão de um novo surto.

Contudo, Bollela explica que agora é diferente do início da pandemia em que se falava em diminuir a quantidade de pessoas infectadas ao mesmo tempo para não sobrecarregar o sistema de saúde.

“O esgotamento hospitalar, se ocorrer, não se deve à associação de influenza com a Covid. Uma pode atrapalhar outra, mas a Covid é a principal responsável por isso, porque a transmissão da Ômicron é muito rápida, muito intensa e uma fração desses casos pode requerer atenção hospitalar.”

Rodrigo Molina, infectologista da SBI, explica que, ainda que a cepa da gripe, H3N2, esteja circulando, não causará esgotamento do sistema de saúde.

“Já tivemos vários surtos de gripe e não houve colapso. A influenza entra em equilíbrio epidemiológico muito mais rápido, ainda mais porque o que estamos vendo são pacientes em atendimento ambulatorial.”

Urbano, no entanto, diz que algumas medidas restritivas devem ser tomadas para que haja um achatamento da curva de infecções tanto da influenza quanto da Covid.

“Precisa haver um desestresse no sistema de pronto atendimento que evitará aumento de casos severos que possam gerar internações”, alerta.

Telemedicina ajuda desafogar sistema de saúde

Até meados de 2021, Somente no Brasil, houve um aumento de mais de 800% no uso da telemedicina nos seis primeiros dias da pandemia, segundo pesquisa publicada na revista científica Plos One.

Molina acredita que isso a tenologia ajuda bastante porque facilita o atendimento às pessoas que não precisam se deslocar. “A função da telemedicina é auxiliar no diagnóstico mais rápido dos casos em que o paciente não precise de hospitalização e esteja tranquilo”, disse.

Bollela diz que é prático porque os médicos podem fazer uma orientação da pessoa para que ela permaneça em casa se ela não tiver nenhum sinal de alerta, ou que procure um pronto-atendimento. “E com isso não sobrecarrega o sistema de saúde. Seria interessante ter acesso a testes rápidos para poder saber se é Covid ou não para definir o tempo de isolamento”, disse.

Aumento de casos pela Ômicron pode gerar imunidade de rebanho?

Até a segunda-feira (10), segundo levantamento feito pela Agência CNN, o Brasil havia registrado 832 casos da variante Ômicron, com mais de 700 outros sendo investigados.

Por conta da baixa letalidade — até o momento — e por se mostrar uma variante ‘menos grave’ do que as anteriores e o próprio vírus original do coronavírus, alguns especialistas têm falado em imunidade de rebanho adquirida pela Ômicron.

Trata-se de uma imunidade coletiva, obtida quando a maior proporção de indivíduos em uma comunidade têm anticorpos contra o vírus, seja porque teve a doença ou porque foi vacinada — o que significaria uma endemia para alguns, assim como a gripe.

Para o presidente da SMI, Estêvão Urbano: “a Ômicron ajuda nesse sentido porque ela se dispersa facilmente, geralmente de forma mais leve, até mesmo por causa da vacinação em massa”.

Por outro lado, ele aponta, que isso poderia ocasionar novas variantes.

“Por conta do aumento da replicação e transmissão, isso pode gerar a imunidade de banho, mas também aumentaria a possibilidade de aparecimento de novas variantes porque as cepas elas surgem à medida que o vírus se replica, e não necessariamente essas novas variantes sejam controladas pela imunidade gerada pelas vacinas ou pela infecção natural adquirida pela Ômicron”, comenta.

Já o infectologista Rodrigo Molina diz que não haverá imunidade rebanho, nem mesmo pela Ômicron. “O que a gente tem é uma variante que causa menos agressão pulmonar, mas com uma facilidade de disseminação muito mais alta”, disse.

De acordo com Bollela, da FMRP-USP, há muito tempo já se falava em imunidade de rebanho. Ainda assim, ele diz que não sabe se isso ocorrerá agora.

“O que a gente observou é que o vírus não fica parado, porque se tivéssemos o mesmo vírus do início da pandemia, provavelmente, a gente estaria numa situação de controle da doença muito melhor do que estamos agora”, explica.

Para ele, “essa ideia de imunidade de rebanho faria sentido se a gente tivesse um vírus que não mudasse, que não tivesse mutação frequente, mas vai depender de qual agente está circulando. Se mudar muito, ele escapa da imunidade da vacina ou de uma infecção anterior”, disse.

Avanço da vacinação contém internações

Cerca de 16 capitais brasileiras já vacinaram 70% de suas populações com a vacina contra a influenza — mesmo que a cobertura contra a H3N2 ocorra somente a partir de março, segundo o Instituto Butantan.

O infectologista da SBI, Rodrigo Molina, diz que o Brasil já está próximo de atingir 70% de pessoas vacinadas contra a Covid ,e segundo o especialista, a eficácia da vacina em conter internação e conter casos graves, pode ser determinante para não repetir o que vários países do mundo — incluindo o Brasil — viram no começo da pandemia.

“Por isso que eu não acredito na ocupação de leitos de UTI. Mesmo com uma dupla infecção, eu acho que a gente vai ter um cenário muito melhor do que há exato um ano”, pontua.

Roberto Bollela, da FMRP-USP falou no momento, que a vacinação está contendo os casos graves.  Segundo ele, o que se observa no momento é que “com a porcentagem de pouco mais de 60% de pessoas vacinadas, nós ainda temos muitas infecções, porém, não tivemos uma explosão no número de casos graves”, afirma.

O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estêvão Urbano, acredita que “a vacinação que nós temos hoje contra a Covid e a vacinação contra influenza possivelmente evitará o pior cenário — como no começo da pandemia.”

Quando procurar o médico

Urbano diz que os sintomas são muito parecidos. “É quase que impossível decifrar apenas pelos sintomas clínicos se tratar-se de Covid ou influenza.”

O infectologista diz que a recomendação é que a maioria das pessoas que estejam com sintomas leves devem ficar em casa.

Somente procurar um hospital de pronto atendimento “aqueles que têm sintomas mais severos como febre alta que dure mais do que 24 ou 48 horas, acompanhado de uma intensa fraqueza, e principalmente sintomas de dificuldade respiratória”, disse.

Ele alerta para aqueles que têm idade mais avançada ou que têm comorbidades mais severas, devem procurar atendimento o mais rápido possível.

CNN / foto: reprodução