Entidades de pesquisa criticam proposta que retira R$ 600 milhões em investimentos

O projeto aprovado pelo Congresso que remaneja mais de R$ 600 milhões que seriam usados para bolsas de estudo e apoio à pesquisa gerou críticas entre entidades do setor.

Elas apontam que trata-se de um golpe na ciência que prejudica o desenvolvimento do país e impede iniciativas de pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Da forma como foi aprovada, a proposta tira 90% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e os transfere para outras áreas de sete ministérios.

O FNDCT é administrado por um conselho ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O objetivo do fundo é financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico para promover o desenvolvimento econômico e social do país.

O Ministério da Economia afirma que enviou ofício à Comissão Mista de Orçamento para cumprir decisão governamental quanto à necessidade de remanejar recursos, a qual foi referendada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO) (leia nota do ministério ao final da reportagem).

Veja abaixo a repercussão

Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br)

Em nota ao presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) afirmou que o ofício do Ministério da Economia "afronta a ciência nacional".

"É um golpe duro na ciência e na inovação, que prejudica o desenvolvimento nacional", disse a ICTP.br.

O ICTP.br, grupo que reúne entidades de pesquisa, criticou o argumento do governo federal de que os recursos transferidos para a ciência e a tecnologia não estariam sendo utilizados.

No documento, o ICTP.br também classifica como "perversa" a prática de alocar 50% dos recursos do FNDCT como crédito reembolsável, ou seja, que é recolhido pelo Tesouro no final do ano caso não seja utilizado.

"Dá-se com uma mão, para retirar com a outra. Nesse processo, agoniza a ciência nacional", apontou.

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)

Segundo a SBPC, os recursos serviriam para cobrir custos da retomada da Chamada Pública Universal, anunciada em agosto pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.

"Causa justificada indignação que a equipe econômica se recuse a cumprir as leis do País, manobrando nos últimos minutos de um processo legislativo que tem seu tempo, para evitar alocar o dinheiro arrecadado para financiar a ciência, tecnologia e inovação", disse a SBPC.

"Quando mais precisamos da ciência, a equipe econômica age contra a lei, com manobras que sugerem a intenção deliberada de prejudicar o desenvolvimento científico do Brasil", continou.
 

Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG)

A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) disse que não haverá dinheiro para pagar as bolsas de estudos dos pesquisadores.

"Na prática, é o desmonte total do CNPq e o sepultamento de projetos como o Edital Universal, o adeus à recomposição de programas dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, Pós-Doutorado Junior, Ciência na Escola, Reator Multipropósito brasileiro e a Rede Vírus (iniciativa com projetos que combatem viroses emergentes, como a Covid-19)", disse a ANPG.

O grupo realizou uma reunião virtual neste sábado (9) para discutir a crise da ciência com o corte de recursos.

Divulgadores científicos

Entre divulgadores científicos, a expectativa é que o corte de mais de 90% nos recursos de pesquisa tornará o futuro da ciência no Brasil ainda mais complicado.

A diretora do Centro de Pesquisas do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, Mayana Zatz, disse que o remanejamento de recursos enterrará a ciência.

"O corte de 90% das verbas para a ciêntica vai enterrá-la definitivamente. Senhores parlamentares, não deixem isso acontecer. Não enterrem o futuro do país", disse.

O microbiologista Atila Iamarino também criticou a proposta: "Corte na ciência, corte de floresta, corte de educação, corte de expectativa de vida... cortaram nosso futuro. E a troco de muito pouco".

Para a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, a ciência sofreu um "duríssimo golpe" no momento em que é mais necessária.

A epidemiologista Ethel Maciel destacou o fato da notícia sobre o corte nos recursos para pesquisa chegar no mesmo dia em que o Brasil alcançou 600 mil mortos pela Covid.

O neurocientista Stevens Rehen criticou as decisões do governo federal de reduzir investimentos em pesquisa e de vetar a distribuição gratuita de absorvente menstrual.

O que diz o Ministério da Economia

"Na quinta-feira (7/10), o Ministério da Economia (ME) encaminhou ofício à presidente da Comissão Mista de Orçamento, senadora Rose de Freitas, contendo proposta de alteração do PLN 16/2021, o qual aborda crédito suplementar em favor do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Essa proposta de alteração ocorreu para cumprir decisão governamental quanto à necessidade de remanejar recursos neste momento, a qual foi referendada pela Junta de Execução Orçamentária (JEO).

A alteração encaminhada pelo ME submeteu à apreciação do Congresso Nacional proposta de suplementação de diversas demandas orçamentárias, com recursos de outras fontes. Não são recursos originados da reserva de contingência do FNDCT. Entre essas demandas, consta o atendimento de R$ 89,8 milhões para o MCTI. Desse total, R$ 63 milhões serão destinados para despesas com produção e fornecimento de radiofármacos no país. Outros R$ 19 milhões vão para o funcionamento das instalações laboratoriais que dão suporte operacional às atividades de produção, prestação de serviços, desenvolvimento e pesquisa.

Estão contempladas ainda despesas do Ministério da Saúde, Educação (R$ 107 milhões para a concessão de bolsas de estudo no ensino superior e outros R$ 5 milhões para o apoio ao desenvolvimento da educação básica), Cidadania, Comunicações, Desenvolvimento Regional (R$ 150 milhões para ações de proteção e Defesa Civil associadas à distribuição de água potável às populações atingidas por estiagem e seca (Operação Carro-Pipa), R$ 100 milhões para a integralização de cotas de moradia do Fundo de Arrendamento Residencial e R$ 2,2 milhões para obras de infraestrutura hídrica) e Agricultura, Pecuária e Abastecimento."

G1