Artigo - A SEGURANÇA JURÍDICA,  decurso de tempo e situação consolidada. PARTE VI

Sob o tema de SEGURANÇA JURÍDICA, já abordamos aspectos importantes que lhe dão suporte e protege o administrado contra atos da Administração Pública, que se valem do poder discricionário de revisar os seus atos que possuam indícios de ilegalidade, principalmente aqueles atos referidos na Súmula 473 do STF, a qualquer tempo.

Essa Súmula, editada em 1969, estabeleceu que a Administração pode anular os seus próprios atos que possuam indícios de ilegalidades, ou revoga-los por conveniência ou oportunidade, a qualquer tempo, o que contraria dispositivos da Constituição de 1988, promulgada 19 (dezenove) anos depois da entrada em vigor da citada Súmula, consubstanciando-se em Constituição Cidadã, por garantir direitos fundamentais da pessoa, sustentados nos princípios constitucionais do DIREITO ADQUIRIDO, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA e da BOA-FÉ do servidor, que não pode ser penalizado por inércia da Administração em sanar os seus atos praticados ilegalmente, ou irregulares, a qualquer tempo e ao seu bel prazer. 

Ainda que contrarie princípios constitucionais, como a obrigatoriedade do ingresso de pessoas no serviço público, mediante processo seletivo na modalidade concurso público, a SEGURANÇA JURÍDICA fundada na BOA-FÉ, no DIREITO ADQUIRIDO e na DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA não pode permitir que o gestor público se utilize da mão de obra de pessoas por longos anos e, por questões meramente de cunho político, resolvam dispensar servidores, sem concluir Processo Administrativo e sem a obrigação de indenizá-los pelo tempo de serviço prestado, o que configura enriquecimento ilícito, do ponto de vista jurídico e de crueldade sem limite, do ponto de vista social, porque pratica, impiedosamente, INJUSTIÇA SOCIAL que atinge pais e mães de família, retirando de um momento para outro, o ganha pão de servidores que serviram todo o tempo com esmero e boa-fé à Administração Pública, não podendo ser penalizados por situações que não lhes deram causa.

A própria Súmula 473 condiciona o poder da Administração Pública de revogar ou mesmo anular seus próprios atos, eivados de vícios, desde que sejam “respeitados os DIREITOS ADQUIRIDOS,” ressalvando-se, em qualquer situação, “a apreciação judicial”.

 Foi pensando na crueldade de gestores que agem por conveniência espúria de interesses pessoais ou de grupos, que veio a Lei 9.784/1999, limitando o poder de atuação dos gestores públicos em 5 (cinco) anos para corrigirem, no âmbito da Administração Pública Federal, os atos praticados, envolvendo servidores, nos casos que possuam indícios de ilegalidade, tornando ato agressivo a justiça social e não dando importância a pessoas inocentes que dependem da remuneração de seus pais para sobreviverem, sendo jogadas ao desprezo por administradores cruéis, que em campanha de eleição dizem que vão gerar emprego e renda, mas afastam do serviço público pais e mães de família do seu único meio de sustentação de si  e de suas famílias, agredindo sem piedade a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Independente do âmbito de aplicação da Lei 9.784/99, faz-se mister ressaltar a função garantidora do processo administrativo, que é vislumbrada por ODETE MEDAUAR (Direito Administrativo Moderno, 9.ª ed., São Paulo, RT, 2005, p.190), no seguinte sentido: “O processo administrativo vem finalizado à garantia jurídica dos administrados (particulares e servidores), pois tutela direitos que o ato administrativo pode afetar. Isso porque a atividade administrativa tem de canalizar-se por parâmetros determinados, como requisito mínimo para ser qualificada como legítima. No esquema processual o cidadão não encontra antes uma Administração livre, e sim uma Administração disciplinada na sua atuação”.

Esse aspecto garantista para o administrado encontra eco na doutrina do magistrado e professor FLÁVIO RIBEIRO DE SOUZA (Direito Administrativo na Doutrina e na Jurisprudência – Coletânea de Textos CEPAD, Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2003, p.124), para quem os impedimentos à invalidação do ato administrativo são de ordem dúplice: (a) decurso de tempo – prazo decadencial de 5 anos; (b) situação consolidada – boa-fé e segurança jurídica.

A noção de Segurança Jurídica é conatural, isto é, está em harmonia; que é próprio de; natural; adequado e, consequentemente, indissociável da própria noção de direito, de tal sorte que só existe direito onde existe segurança jurídica, como ensina Almiro do Couto e Silva (Tomo de Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017), razão porque, na Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784/1999), a Segurança Jurídica é arrolada entre os princípios a que se submete a Administração Pública, numa versão ampliada do elenco consagrado no art. 37 da Constituição Federal.

È de se observar, que logo adiante, no contexto do art. 37 da CF/88, inciso IV do parágrafo único, ordena-se a observância, nos processos administrativos, do critério de “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé, em conexão com o princípio da moralidade administrativa”, valendo ressaltar que no inciso XIII desse parágrafo único, veda-se a aplicação a fatos pretéritos de nova interpretação da norma jurídica.

E no art. 54 da Lei 9.784/1999, criou-se o prazo preclusivo ou decadencial do direito da Administração Pública invalidar seus atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, fixado em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé, devendo ser observado que no caso de efeitos patrimoniais contínuos (salários, por exemplo), esclarece o parágrafo 1º que o “prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento”.

Administrações Públicas Estaduais ou Municipais, que não possuam Leis próprias de Processo Administrativo, adotando a Lei 9.784/1999, que trata do Processo Administrativo no âmbito federal, submete-se, portanto, aos seus dispositivos, o que favorece a servidores, retirando-lhes a imposição da Súmula 473, porque há “decurso de tempo – 5 anos no mínimo e situação consolidada, pelo direito adquirido”.

*Josemar Santana é jornalista e advogado, especializado em Direito Público, Direito Eleitoral, Direito Criminal, Procuradoria Jurídica, integrante do Escritório Santana Advocacia, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba). Site: www.santanaadv.com / E-mail: [email protected]