Artigo - Em tempo de Murici, cada um cuida de si

"Em tempos de Murici, cada um cuida de si". Um dos provérbios mais egoístas e arrogantes que existe, é atribuído ao nordestino por conta de uma frase que seria dita pelo baiano de Inhambupe, o coronel do Exército Pedro Nunes Tamarindo, durante a terceira expedição militar no então arraial Belo Monte (Canudos), quando pela terceira vez a população local, comandada pelo líder religioso Antônio Conselheiro, derrotou as tropas federais.

Nunca se imaginava que uma celebração ao egoísmo fosse servir como um alerta à necessidade do isolamento e do distanciamento social, quando o indivíduo, ao cuidar de si, estará protegendo e salvando não apenas a sua, mas a vida dos que estão em sua volta e em seu convívio. Numa verdadeira inversão de valores para o bem, valorizar a autoproteção neste momento de pandemia é uma forma consciente e humana de valorizar a vida e proteger o próximo.

Salvem-se quem puder. Se cada cidadão cuidar da sua própria vida é quase certo que irá sobreviver e contribuirá com a sobrevivência dos outros.

O mundo vive uma crise sanitária inimaginável, um problema de proporções catastróficas, sem comparações de ocorridos há mais de um século, quando a medicina não tinha os avanços tecnológicos e farmacêuticos que existem na atualidade, e quando as informações não eram compartilhadas de forma instantânea como agora.

Se compararmos o comportamento da população mundial, conforme relatos históricos, diante do combate da Gripe Espanhola ocorrida há 100 anos, com a forma como a população encara a Covid-19 em pleno século XXI, pode se afirmar que agimos como se vivêssemos na 'idade das trevas', com a predominância da ignorância e do negacionismo, por mais insano que isso pareça.

A gripe espanhola, também conhecida como gripe de 1918, foi uma vasta e mortal pandemia do vírus influenza. De janeiro de 1918 a dezembro de 1920, infectou em torno de 500 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população mundial. A Covid-19, descoberta no final de 2019 na China, disseminou rapidamente para todo o planeta, e em pouco mais de um ano já contaminou cerca de 130 milhões e tirou a vida de mais três milhões de pessoas. Somente no Brasil, já foram infectadas 13 milhões, com 320 mil mortes até o momento, conforme dados apurados a partir dos números de pacientes que procuraram atendimentos médicos e que realizaram testes. De acordo com as autoridades de saúde, é possível que as ocorrências podem ser de quatro a cinco vezes maiores que os números oficiais divulgados.

O problema é muito sério. Independentemente do lado político, religioso ou da condição social de cada indivíduo, o melhor é acreditar na verdade da ciência e absorver a mensagem do antigo provérbio em toda a sua plenitude. Fica a dica.

 

Por Gervásio Lima 

Jornalista e historiador