Artista Ryan Nunes, de Petrolina, relata em texto emocionante como está vencendo um câncer descoberto durante a pandemia

O cantor petrolinese, Ryan Nunes, relatou em texto emocionante, encaminhado por um amigo à redeGN, os momentos que viveu, de angústia e superação após diagnóstico de câncer em plena pandemia do Coronavírus.

No texto Ryan relata os momentos mais difíceis na luta pela vida, o apoio que recbeu dos amigos e emociona ao falar do reencontro com a família, incluindo o filho, de apenas 9 meses de idade. 

Confira:

"Sobre ter câncer durante a pandemia.

Resido na cidade de Petrolina/PE e no final de julho de 2020 comecei a ter sensações de febre. No dia 07 de Agosto, comecei a ter febre, tosse seca e indisposição. Sendo esses os sintomas da COVID tive que me isolar. Assim, fiquei em um quarto afastado de minha esposa e filho. Fui ao posto de saúde, foi realizado agendamento e fiz o teste pela prefeitura bem como em laboratório particular. Todos negativos. Os sintomas começaram a se agravar e cheguei a ter febre 3 vezes ao dia, praticamente durante todo o dia. Como existe a chance de os testes para COVID serem falsos negativos, para a segurança dos demais, resolvi permanecer isolado.

Fui a uma consulta com Dr. Washington Luiz, infectologista, que foi fundamental para chegarmos onde estou hoje. Devido aos medicamentos que usei e os sintomas, não era possível descartar COVID, pois o que acabei tomando poderia ter mascarado o resultado dos testes. Esperamos o dia mais recomendado para fazer a sorologia, algo em torno de 20 dias após os primeiros sintomas. Até chegar lá, continuei isolado, mas já nos aproximavamos de setembro. 

Chegou o dia, realizei a sorologia, findou-se outro resultado negativo para a covid, assim sendo descartada, prontamente Dr. Washington solicitou uma tomografia de abdômen total. Conseguimos a possibilidade de realizar no Hospital de Universitário e me dirigi para lá, mesmo sendo um local que realizava tratamento para COVID, peguei minha ficha e a aguardei junto com os demais pacientes para ser atendido. Fui muito bem atendido por Dr. Lúcio, que me informou que naquele dia a máquina de tomografia teria quebrado e assim ficou marcado para 30 dias o retorno para realização. 

Decidimos não esperar e após tomografia realizada de forma particular verificou-se a presença de dois tumores de 10 cm, um em cada glândula adrenal. Assim no dia 08 de setembro vim com urgência para o IMIP em Recife, onde me internei.

Tumor nessa região é bem raro e existem doenças raras que podem originá-los, portanto iniciou-se então a investigação durante uns dias de internação. Fiquei na enfermaria masculina junto com aproximadamente 15 pacientes devido a rotatividade, todos afastados em um grande salão, para diminuir a chance de contaminação. Foram dias difíceis, nunca tinha ficado internado ou dormido em hospital, vi pessoas morrendo, agonizando de dor, chorando e sem conseguir dormir, como eu. Durante o internamento começaram vômitos, vale destacar que continuava a ter febre desde o dia 07 de agosto. 

Chegamos em outubro, onde faríamos a biópsia, que foi deixada para o final da fila, devido o local ser muito sensível e o simples toque poder desencadear uma tempestade hormonal que pode levar à morte. Após o resultado finalmente verificou-se ser linfoma (câncer), assim tive alta e fui direcionado para o setor de hematologia, onde iria dar início ao tratamento de quimioterapia. Minha família veio para Recife, finalmente eu pude abraçar e beijar meu filho depois de dois meses. 

Meu filho tinha 07 meses de vida quando comecei a ter os sintomas em agosto, nós eramos muito apregados, já dava seus banhos no chuveiro, uma das melhores coisas que fiz na vida, dormíamos colados na madrugada, ele vinha se encostando em mim para aproveitar meu calor e a maciez da barriga de um bom gordo. Devido a pandemia, como sou artista e advogado, tive a oportunidade de passar 24h por dia com ele. Em junho minha esposa retornou ao trabalho, devido ser profissional de saúde e ter encerrado a licença maternidade.

Voltando a outubro, com todos em Recife, pude ficar próximo da família, amigos e outros familiares puderam me visitar com o devido distanciamento e cuidados, nessa altura do campeonato pegar COVID seria fatal, na verdade ainda é. 

Porém meus sintomas pioraram e começaram a aparecer outros. Já não conseguia comer e tomar água, tudo que ingeria, vomitava, não tinha mais forças para segurar Joaquim (meu filho) no colo, tamanha era minha tristeza ao perceber a frustração dele ao se jogar para meus braços e não conseguir passar mais que 10 segundos com ele no colo. Dores muito fortes começaram no região do abdômen, não consegui mais caminhar da sala até o quarto, ficava tonto, comecei a me auto mutilar, arrancar pedaços da pele. Já não conseguia tomar mais banho só, começaram os desmaios, não conseguia dormir, virava de um lado para outro na cama, vômitos na madrugada, consulta com a hematogista, biópsia da medula, espera deitado nos bancos do IMIP ou em 3 cadeiras de plástico da recepção, biópsia feita, desmaio no elevador do hospital, chegada em casa, desmaio no elevador, voltei, desmaio na entrada do apartamento, quase pisei no meu filho, ele viu tudo. Era nítido que nem eu, nem ele estávamos bem, ele não queria comer e não estava dormindo bem. Caos instalado no apartamento, queriam me internar e eu resisti. Na madrugada já não tinha mais forças pra nada, após muita resistência minha, chamaram o SAMU para me levar para o hospital.

Confesso que a partir daí já não lembro de muitas coisas, eu já estava em um estado mental complicado também. Chega o SAMU, resisti ao máximo a ida, provavelmente algum trauma da última internação, minha esperança era que após o início da quimioterapia em ambulatório mesmo eu melhoraria, ia para o hospital, fazia a quimioterapia e voltava para o apartamento em Recife. Não tive escolha, graças a Deus, minha esposa e mãe me obrigaram a ir com o SAMU, desmaio elevador, já acordo dentro da ambulância, hospital, não deu outra, fui para UTI em 23 de outubro de 2020. 

A UTI foi a pior experiência da minha vida, meus rins estavam péssimos, precisei fazer várias hemodiálises, confesso que não lembro de algumas coisas que lá aconteceram, não podia ter acompanhante e entrar com celular, isolado da família e do mundo duas vezes. Minha mente foi para algum lugar. Me disseram depois que eu gritava com as enfermeiras, não lembro e me envergonho muito disso, devido ao meu descontrole, os médicos permitiram que algumas pessoas entrassem rapidamente, um amigo entrou e conversou por 3 minutos, não lembro até hoje disso, minha esposa entrava quase que diariamente, não lembro de tudo que falávamos, lembro de choros nossos e algumas bobagens, médicos e médicas amigas quando podiam entravam e me davam notícias.

E assim eu fiquei sabendo que em minha cidade tinha iniciado uma campanha de oração e arrecadação de dinheiro para ajudar no tratamento, engajamento de várias pessoas do Brasil, amigos raspando a cabeça, mensagens, vídeos que tinha que assistir escondido nos celulares das pessoas que entravam rapidamente. Confesso que me senti amado de uma forma gigantesca, mesmo ainda ruim da cabeça, me disseram que mostraram o vídeo que Geraldo Azevedo fez pra mim e eu não dei importância, meu Deus!

Os dias foram passando e fui melhorando, voltando a "consciência", minha mente foi se estabilizando, porém meu corpo foi lutando como podia. Numa guerra, as baixas são grandes e não seria diferente comigo, senti muitas dores na perna direita e fui perdendo os movimentos dela. 

Com uma pequena melhora dos rins e das demais coisas, foi autorizado o início da quimioterapia, porém uma das drogas necessárias não era disponibilizada pelo hospital, pois não estava elencada para esse tipo de tratamento. Foi um medicamento difícil de encontrar, o valor variava de 4 a 10 mil reais, sendo necessárias 8 doses para o tratamento. Compramos as duas primeiras doses, como valor recebido de doações. Minha família e amigos correram pra Natal-RN para buscar e assim, ainda na UTI, fiz o primeiro ciclo de quimioterapia. 

Os resultados foram surpreendentes, no mesmo dia todos os sintomas tinham desaparecido, consegui dormir melhor, voltei a comer algumas coisas e os rins foram melhorando. Após 11 dias consegui sair da UTI para enfermaria de hematologia. Saí da cama para a cadeira de rodas, já não conseguia ficar em pé e aguardei até que o quarto de isolamento tivesse pronto. 

Só era possível ir para o quarto principal da enfermaria e começar o tratamento após resultado negativo do covid, teria que fazer outro. Após 30 minutos sentado na cadeira comecei a ficar tonto, no trajeto para quarto comecei a querer desmaiar, quando entramos no quarto, numa tentativa desesperada de não apagar, me joguei para a cama e acabei ferrindo a barriga nos ferros. Desmaiei e me colocaram numa poltrona, apagado acabei vomitando, urinando e defecando. Ficou a dúvida se me levavam de volta para UTI ou continuaria lá, optaram pela última e assim segui na enfermaria, agora já não ficava mais sentado, quando tentava a pressão baixava e vinha o desmaio.

Seguimos na enfermaria, agora com acompanhante e celular pude ver o quanto foi feito por mim, homenagens, orações, doações. Ainda quando estava na UTI resolvemos que seria melhor que Joaquim voltasse para casa pois não estava bem e como ficaria internado, não poderia vê-lo.

Chegamos em novembro, após o resultado negativo do teste da COVID fui encaminhado para quarto coletivo. Lá pude conhecer várias histórias de vida e grandes lições, presenciei um dos colegas ir descansar com Deus após 14 anos de batalha. Realizei exames nas pernas, intensifiquei a fisioterapia, comecei a me alimentar melhor, comprei órtese para as pernas, placas para a coluna, pomadas, medicamentos, fraldas, material hospitalar em geral, tudo isso com a doações. Ainda estava com alguns ferimentos na pele e outros nas costas por ter passado muito tempo deitado. O tempo foi passando e voltei sentar, logo depois fiquei em pé e chegou dia do segundo ciclo da quimioterapia, tive alguns enjoos e alguns vômitos de reação, fui recuperando e depois de 50 dias de internação entre UTI e enfermaria, já em dezembro, tive a tão sonhada alta para ir para o apartamento em Recife mesmo. 

Foram dias de superação, tendo que tomar banho e as demais necessidades tudo em cima da cama, 50 dias numa cama parecem 5 anos de uma vida normal. Como ainda não andava, resolvemos aguardar um pouco em Recife e aqui a gente volta a falar do COVID. Tinham 3 possibilidades de retornar a Petrolina: de avião tinha a questão do aeroporto, e a proximidade com outras pessoas, porém a médica proibiu por conta da pressão e a questão de eu voltar a desmaiar; de ônibus seria complicado pra um cadeirante com câncer devido a filtragem do ar não ser o mais recomendado para prevenir a COVID, além de ser 12 horas de viagem e o banheiro ser minúsculo; e de carro, continuaria isolado, a viagem é longa, mas poderia dar certo.

Não quis que Joaquim viesse para Recife, a última vez foi muito traumática para ele, a viagem também colocaria ele em risco, de carro foi insuportável para ele, então esperei ter algumas melhoras significativas para quem sabe conseguir ir ao seu aniversário de 01 ano no dia 20 de dezembro, mas acabei não indo.

Fui informado que minha próxima quimioterapia seria mais tranquila, poderia ir fazer e voltar pra casa, porém quando se aproximou a data, a médica pediu que me internasse novamente, pois umas das drogas seria muito forte para fazer no ambulatório, aliás, aquela droga que precisamos comprar em Natal. Finalmente conseguimos através da justiça que o estado pagasse o medicamento. 

Passei o Natal em Recife e dia 28 retornei para internar. Infelizmente a perna esquerda começou a parar também, agora eram as duas. Após exames, verificou-se lesões severas no nervo vago, o que explica em parte a questão das pernas. Foi colhido o líquido da coluna e sangue, para ser estudado por pesquisadores na USP e em um laboratório em Viena, devido ao não padrão de sintomas verificado pelos Neurologistas. 

Estamos em janeiro, mais de 5 meses vivendo praticamente em uma cama, 3 meses sem ver meu filho, 6 meses doente, menos 44kg, graças a Deus e aqui agradeço também a Prefeitura de Petrolina e a equipe da Secretaria de Saúde, que viabilizou o trabalho em casa da minha esposa, para que pudesse cuidar de mim e dar todo o suporte que Joaquim precisava. 

Agora, 20 de Janeiro, após mais 21 dias de internação e o terceiro ciclo da quimioterapia, estou forte, com as taxas boas e preparado para voltar para minha casa. Como minha esposa é profissional de saúde não há possibilidade de ir para seu trabalho se expor e retornar para ter contato comigo. Solicitamos a licença de forma administrativa à Prefeitura, para que ela continue a me acompanhar e já recebemos parecer favorável. Se Deus quiser, hoje sai chancela e amanhã eu retorno para o meu lar.

Essa foi uma parte da batalha, os tumores já diminuíram 50%. Em fevereiro continua a quimioterapia, agora preciso intensificar na fisioterapia para tentar recuperar o movimento das pernas. Agradeço demais a minha família, meus amigos, meus irmãos, a toda Petrolina que fez algo por mim e a Deus pela força e por eu ser tão amado.

Metade da guerra já foi, cicatrizes e baixas aconteceram, mas também agradeço por elas.

Ryan Nunes"

Texto Ryan Nunes - músico / Fotos arquivo pessoal