Artigo: Eleições que não encantam

Tempo de renovação das prefeituras. A cada quatro anos, os moradores assistem a um desfilar de promessas de que a cidade vai se tornar uma maravilha. Alguns acreditam apenas porque querem. Como a confirmar o veredicto de Antônio Maria. Que o brasileiro tem por profissão a esperança. Mesmo podendo ver o histórico de candidatos e partidos que escolhem. Desde a redemocratização, elegemos prefeitos de todas as cores. De comum, o que têm produzido é a perpetuação da má qualidade dos serviços públicos. Aí o morador da periferia pergunta-se: o que adiantou votar por aquele que prometia “um olhar diferenciado para os mais necessitados?”

programas dos candidatos às vezes são bonitos. Escasseiam, contudo, quando instados a responder sobre os meios para executá-los. Aí quase sempre tergiversam. Uma cidade se faz dos sonhos dos homens e das mulheres. Mas também da capacidade de administrar, empreender e gerar renda. A partir das suas vocações e do engajamento de seus cidadãos. Ocorre que o engajamento ativo só acontece quando o cidadão se percebe bem tratado pelo poder público. E quando os bens públicos estão sendo bem cuidados. Por isso, a percepção sobre quem (e quais partidos) mais estaria apto para administrá-los deveria ser fator relevante.

Exemplifico: o Recife já demonstrou ter capacidade de se reinventar. Já teve a coragem de experimentar quem se propôs a mudá-la. Atraiu a fama de cidade rebelde. Desde os tempos dos mascates e da Revolução de 1817. Hoje, com problemas acumulando-se sem resolução, parece uma cidade anestesiada. Entorpecida. Aparentemente acostumada ao mais do mesmo.

A paisagem urbana degradada, o barulho dos pagodes e dos motores envenenados de motos a impedir o sossego, o sono e o estudo, as calçadas hostis aos pedestres, a insegurança, a sujeira nas ruas, a volta das palafitas, o aumento dos mendigos nas ruas, os engarrafamentos intermináveis, a poluição visual dos fios em postes que viraram almoxarifados, a indústria das multas das “câmeras-pegadinha”, a corrupção, a fuga do turista que sabe ser inseguro visitar-nos, a percepção de que capitais nordestinas como Natal, João Pessoa, Maceió e Aracaju hoje oferecem melhor qualidade de vida, a perda de influência nacional na política e na economia. Tudo isso desperta um estado de torpor da cidadania. Talvez de resignação ao voto conduzido pelas grandes máquinas partidárias.

Com milhares de candidatos a vereador ou “lideranças comunitárias” ávidas por um carguinho na futura administração. E prontas a levar o eleitor à boca da urna. “Já que elas vão mesmo ganhar, porque têm recursos a distribuir, vou dar um jeito de tentar me arranjar”, é o raciocínio não confessado. Não só dos pobres. Ao qual se acresce outro, implícito.

“Os programas e as bonitas proclamações não são implementados”. Afinal a vida dos que sofrem continuou sem esgotamento sanitário, sem bom atendimento na saúde, insegura e com transporte público sofrível. O pior de tudo para as esperanças de um futuro melhor para os filhos: a qualidade das escolas dos pobres cada vez mais distante das escolas dos ricos.

Esses partidos que se têm revezado no poder fracassaram por não terem ousado transformar de verdade as estruturas e as práticas. Não souberam fazer a diferença para a vida e o futuro dos seus habitantes. Todos contribuíram para o inchaço perdulário da máquina, com excesso de cargos comissionados, de contratos terceirizados e gastos desnecessários que jamais uma empresa bem administrada cogitaria. Eles também se igualaram no apetite por arrecadar e burocratizar a vida de quem aqui vive, trabalha e empreende.

Esse o triste diagnóstico que se impõe. Assumo-o reconhecendo minha parcela, eis que já fui secretário municipal e deputado federal. Todos poderíamos ter feito mais para erradicar esses vícios. Que hoje estão ofuscando as vocações de uma cidade que tem história e cultura singulares. Uma cidade reconhecida como centro de serviços, com bom capital humano e polos relevantes nas áreas da medicina, tecnologia da informação, cultura, direito, engenharia, logística e outros.

*Maurício Rands-Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford