Artigo - Depois do Coronavírus

Ruas desertas, negócios paralisados, aulas suspensas, igrejas de portas fechadas, espetáculos cancelados, famílias confinadas, autoridades em polvorosa, projetos interrompidos, interesses prejudicados ...

A humanidade toda parece tremer diante da pandemia do coronavírus, que ora infesta os quatro cantos do planeta, levando o pânico e a dor.  O inimigo – invisível, mas real – agiganta-se a todo o momento, ganhando formas mais e mais assustadoras, capazes de colocar o mundo inteiro de joelhos.

Por um instante, deixo de lado o jornal e olho pela minha janela. E da minha janela, vejo que quase não há distância entre o que me diz o jornal e o que se passa no meu entorno. A mesma sensação de desolação, o mesmo mutismo gritante, como se todos ao mesmo tempo tivemos fechado pra balanço.

Final dos tempos?

Não acho!

No século XIV, quando ingleses, portugueses e espanhóis nem sonhavam em invadir o Brasil, um terço da população da Ásia e da Europa, juntas, – algo em torno de 200 milhões de seres humanos – morreu em consequência da peste negra, ou peste bubônica, como também era chamada.

Em 1918, no final da primeira guerra mundial, a gripe espanhola contaminou um quarto da população do planeta e ceifou aproximadamente 50 milhões de vidas humanas. O Rio de Janeiro, a cidade mais afetada do Brasil, chegou a contar cerca de mil óbitos, em apenas um dia.

E nos dois casos – como em tantos outros ocorridos ao longo da história – não se tratou do final dos tempos, embora, nas duas ocasiões, um montão de gente acreditasse que havia chegado a hora de ajustar contas com o pai eterno.

E ainda hoje estamos por aqui, felizmente!

A crise assusta, espalha medo, destroça economias, e o pior: ceifa vidas. E trará consequências, é óbvio! Mas como todas as grandes crises da história da humanidade, também esta chegará ao seu termo, e ao seu tempo há de ser superada.

Seja como for, qualquer estudioso sério que no futuro, após o flagelo, se debruçar sobre o tema, haverá de tratá-lo como um dos eventos mais importantes da história global, com reflexos significativos em todos os campos da atividade humana. 

Reflexos que, a depender de como forem encarados, poderão ser de grande proveito para a humanidade, que, ao longo do seu curso, e com toda sabedoria, sempre procurou aprender e renovar-se após cada nova crise.

O coronavírus não é o final dos tempos. Mas poderá ser o final de um tempo e o início de outro, uma espécie de divisor de águas, a marcar um antes e um depois.

O coronavírus pode romper com o ódio e o obscurantismo, inaugurando um ciclo novo, dessa feita orientado pela luz do bom senso e pautado em maior valorização da vida, da liberdade, do direito, e do respeito incondicional a cada homem e a cada mulher. 

O coronavírus pode conferir maior credibilidade e reverência à razão, à ciência e aos cientistas, tributando-se aos mesmos o valor e a importância que lhes são devidos.

O coronavírus pode resgatar o sentido da solidariedade, como valor a ser cultivado pela civilização, por nós todos, e pelo Estado de Direito, a quem cabe a tarefa precípua de zelar pelo bem-estar do seu povo, devendo, para isso, mover todos os meios legalmente existentes.

O coronavírus pode nos tornar mais tolerantes, mais altruístas, mais humanos e, quiçá, mais preparados para enfrentar novos e futuros desafios, 

O coronavírus, em suma, pode nos tornar melhores! Bem melhores do que fomos até aqui.

José Gonçalves do Nascimento

Escritor