Regina Duarte fala em carta branca ao assumir Cultura e Bolsonaro cita poder de veto

Num evento com poucos representantes da classe artística e no qual apareceu de braços dados com o vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, a atriz Regina Duarte assumiu ontem quarta-feira a Secretaria Especial da Cultura do governo de Jair Bolsonaro. Ela prometeu pacificar a pasta e manter diálogo com a classe cultural e com o Congresso.

"Meu propósito aqui é de pacificação, diálogo permanente com o setor cultural, estados e municípios, Parlamento e com os órgãos de controle", disse. Olhando para Bolsonaro, a atriz relembrou a promessa feita a ela de que teria liberdade para escolher os integrantes da secretaria.

"O convite que me trouxe até aqui falava em porteira fechada, carta branca. Não vou esquecer não, hein?", disse a atriz ao presidente.

Na sequência, Bolsonaro pontuou que embora tenha concedido todos os ministérios de "porteira fechada", termo usado na política para indicar que o titular goza de liberdade para fazer mudanças, ele tem poder de veto.

"Regina, todos os meus ministros também receberam seu ministério de porteira fechada. Obviamente, em alguns momentos, eu exerço o poder de veto de alguns nomes. Eu já fiz em todos os ministérios. Até porque, para proteger a autoridade. Isso não é perseguir", disse.

Mesmo com a advertência do presidente, Regina assumiu o posto com uma série de exonerações na pasta, publicadas no Diário Oficial da Uniãode quarta-feira.

Entre os demitidos aparece Dante Mantovani, que estava à frente da Funarte, a Fundação Nacional de Artes, e que é aluno de Olavo de Carvalho, o escritor conhecido como esteio intelectual do bolsonarismo, e membro da Cúpula Conservadora das Américas.

Maestro, ele havia sido nomeado para o cargo em dezembro do ano passado pelo ex-secretário da Cultura Roberto Alvim, que deixou o posto em 17 de janeiro após fazer um vídeo com referências a Joseph Goebbels, ministro da Alemanha nazista.

Mantovani também fez discursos histriônicos em sua curta passagem pelo cargo, afirmando, por exemplo, que "o rock ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto, que por sua vez alimenta uma coisa muito mais pesada que é o satanismo".

No total, foram publicadas 12 exonerações, muitas delas de nomes ligados à ala olavista do governo. Antes, no dia 7 de fevereiro, ela já havia demitido a reverenda Jane Silva. Embora Silva tivesse sido convidada pela atriz para ser a secretária-adjunta da Cultura, desentendimentos entre as duas fizeram com que ela deixasse a secretaria.

As demissões fizeram com que Regina passasse a enfrentar resistência da ala ideológica de Brasília, em especial de seguidores de Olavo de Carvalho. Impulsionaram também reações nas redes sociais –tanto que a hashtag #ForaRegina apareceu entre os assuntos mais comentados no Twitter.

O próprio Olavo de Carvalho usou as redes para criticar a atriz. "Se a Regina Duarte quer mesmo se livrar de indicados do Olavo de Carvalho, a pessoa principal que ela teria de botar para fora do ministério seria ela mesma", escreveu antes das exonerações serem confirmadas.

Além disso, na madrugada desta quarta, Olavo também publicou: "Aplaudir a indicação da Regina Duarte parece ter sido uma cagada minha, mais uma entre tantas. Não sei onde vou arranjar tanto papel higiênico".

Depois de encerrar um contrato de 50 anos com a TV Globo, emissora que costuma pagar de R$ 60 mil a R$ 100 mil mensais para artistas veterano do primeiro escalão, a atriz chega ao governo com um salário de R$ 17.327,65 e se torna a quarta titular da pasta, marcada por controvérsias desde o início da gestão Bolsonaro.

O primeiro a ocupar o cargo foi Henrique Pires, que deixou o posto em agosto após dizer que o governo tentava impor filtros e censurar atividades culturais. O motivo foi a suspensão de um edital que previa financiamento de projetos LGBT para TVs públicas.

Depois de Pires, foi a vez do economista Ricardo Braga, exonerado em novembro, após dois meses na função. Por último, Roberto Alvim.

A Secretaria Especial da Cultura permanecerá subordinada ao Ministério do Turismo, comandado por Marcelo Álvaro Antônio. Bolsonaro transferiu o órgão após a demissão do ex-secretário Henrique Pires e depois de divergências com Osmar Terra, que estava à frente da Cidadania, ministério ao qual a pasta de cultura estava originalmente vinculada no início do governo.

Até a conclusão desta edição, a equipe de Regina ainda não havia sido anunciada. Mas o ator e produtor teatral Humberto Braga e o próprio Vereza devem integrar a secretaria.

Folha S.Paulo