A Revista Veja desta semana traz matéria da jornalista Sofia Cerqueira com o artista juazeirense João Gilberto sob o título: Diálogos com o Gênio. O blog fez uma síntese da matéria.
Ouvir João Gilberto ao telefone é uma experiência fascinante. A voz baixinha, quase sussurrada como no jeito de cantar que o tornou mundialmente conhecido, de repente se eleva abruptamente em momentos de entusiasmo. A exaltação acontece ao discorrer sobre problemas do país, ao rebater a fama de perfeccionista, em comentários sobre a seleção brasileira, em sua fixação por luta livre, ao recitar um poema de Carlos Drummond de Andrade ou simplesmente ao contar suas visitas a um templo hinduísta, em Los Angeles. Em alguns raros momentos, muda de novo e ganha um tom áspero, irreconhecível e surpreendente. Isso ocorre, por exemplo, quando fala da disputa que trava com sua antiga gravadora, a EMI Music, em que acusa a multinacional inglesa de ter distorcido e adulterado suas primeiras gravações para relançá-las em uma coleção batizada de O Mito. Em síntese, trata-se de alguém imprevisível, que pode surpreender o interlocutor a todo instante. Contrariando a lenda de que economiza nas palavras, ele gosta de falar — sempre pelo celular. Passeia por assuntos que vão desde as últimas notícias dos telejornais, a crença em carma, o interesse por horóscopo, a curiosidade em torno de paranormais até os combates de vale-tudo, sua atração preferida na televisão. Adora enaltecer as qualidades da ioga e é capaz de recitar de cor um longo pensamento do guru indiano Paramahansa Yogananda (1893-1952). Expressa-se com extrema lucidez na maior parte do tempo, alternando um humor ferino com uma doçura quase de criança. Em outros momentos, o discurso revela-se difuso, como quando discorre sobre uma suposta conspiração dos Rolling Stones para manter seus discos fora do mercado.
Dentro de duas semanas, João Gilberto deixará o apartamento em que vive sozinho no bairro do Leblon para subir ao palco do Carnegie Hall, em Nova York. A apresentação acontece no dia 22 em meio ao CareFusion Jazz Festival. Nos dias 25 e 29, ainda tem mais dois concertos agendados, em Boston e Chicago, respectivamente. Serão os primeiros shows desde 2008, quando se comemorou o aniversário de cinquenta anos da bossa nova, gênero musical diretamente associado ao seu estilo de cantar, inaugurado com a gravação de Chega de Saudade, em 1958. São conversas realizadas ao longo dos últimos seis meses, entremeadas com depoimentos de amigos e pessoas próximas ao gênio, que completa 79 anos na próxima quinta-feira (10).
Facebook
“Meu Deus do céu, essa internet! O que se pode fazer? Será que essas pessoas que falam comigo ali (na página falsa do Facebook) são de verdade? São os Caymmi mesmo que estão ali? Porque eu não sou. Não tenho nem computador. Vou pedir para o meu filho João Marcelo, lá dos Estados Unidos, ver isso. Quem será que fez isso? Esse negócio de internet é chato por isso. Dizem o que querem, você não sabe como é, quem foi. Qual o futuro? Acho que vai ter um futuro aí, não sei, o caos. Porque parece uma bagunça. Aí vêm esses jornalistas. Não gosto de jornalista brasileiro, não sabem de nada. Vou me naturalizar argentino.”
Aparelho de som
“Até tenho um aparelho de som. Ele não funciona muito bem, nem é bom. É difícil ouvir alguma coisa ali. Gosto mais do silêncio ou de tocar.”
Celular
“O meu telefone fixo não toca, só aparece uma luzinha vermelha. Quebrou há muito tempo e não consertei. A acústica dele não era boa, não tinha ambiência. Já me deram um telefone sem fio, mas não prestava. Devia ser pirata. Prefiro celular. Ele dá mais calor, sinto a pessoa mais próxima.”
Televisão
“Vejo vários canais. Escapulo para um, às vezes está chato, não vou mais ali. Não me importo de pegar um filme no meio. Até gosto. Entendo mais ou menos como foi e pronto. Estou sempre querendo ver um jornal diferente, mas esqueço e acabo no Nacional (Jornal Nacional, da Rede Globo) mesmo. Assistir a shows é difícil. Eu gosto assim, esporádico, daquele programa que tem umas meninas que ficam viajando pelo país (Sem Destino, no Multishow). Fico olhando como um menino que olha uma vitrine. Às vezes também fico vendo aquele canal que vende coisas. Nunca comprei. É difícil. Ligue para não sei que número, é coisa à beça.”
Vale-tudo
“Estou sempre procurando uma luta para assistir. Eu adoro. Tem um canal que passa todos os dias. Às vezes, aos sábados, tem um especial ao vivo. Depois fica repetindo, repetindo. É chato, mas vejo assim mesmo. Uma vez a minha filha (Bebel Gilberto) me perguntou: ‘Por que você gosta disso, qual a graça?’. Não sei. É tão interessante, puxa vida.”
Desenho animado
“Quando a minha filha (Luísa, de 5 anos) vem aqui, vejo desenho com ela. Tem uma coisa boa, tem ritmo, é interessante. Depois de muito, muito tempo, aquilo fica chato. Mas não contrario, não. Nem mudo. Americano sabe fazer desenho muito bem. Torço para que os daqui também sejam bons. Você já viu o desenho da Turma da Mônica? Tem melhorado muito.”
Futebol..